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Beer Nerd #1: Como a cor da garrafa afeta o sabor da cerveja?


Bem, dando início à minha coluna sobre o maravilhoso e inigualável néctar dos deuses, a Cerveja. Sou um verdadeiro apaixonado por esta bebida, Cervejeiro Artesanal e estudioso do assunto. No último ano consumi mais de 200 rótulos diferentes, comecei minha própria produção e pretendo lançar meu primeiro rótulo nos próximos meses. Mas vamos ao tópico do artigo de hoje.

Sempre que eu digo que não gosto de Heineken, as pessoas “entendidas” de cerveja me olham com cara feia. Já ouvi até a frase “é que Heineken é cerveja de alemão macho, por isso tu não gosta…”

E quando eu explico que é por causa da cor da garrafa, aí sim que as pessoas me olham com aquela cara de “putz, que cara fresco”. Mas na verdade existe uma explicação científica do porque uma cerveja em uma garrafa verde ou totalmente transparente é ruim, ou pelo menos TENDE a ser ruim.

Bem, vamos à ciência da coisa: toda cerveja leva lúpulo, que (em termos simples) é o ingrediente responsável pelo amargor e o aroma característicos da maioria das cervejas. O lúpulo tem em sua composição alfa-ácidos, e, quando aquecido, gera iso-alfa-ácidos (através de um processo de isomerização). Um desses iso-alfa-ácidos é o isohumulone.

Uh, nossa, que complicado!

OK, falando em termos mais simples, o Isohumulone é um dos responsáveis pelo amargor da cerveja, e quando presente em excesso, pode gerar o que é conhecido pelos mestres cervejeiros como “skunky”, ou o “zorrilho” como eu costumo chamar.

O Skunky é um “off-flavor” (sabor inesperado e, normalmente, indesejado) da cerveja, que faz com que ela tenha um cheiro e sabor característico de urina de gambá (ou zorrilho), normalmente presente quando se abre uma long-neck de Heineken ou Jever.

Mas e como raios a cor da garrafa entra nessa história? Simples. O isohumulone costuma ser produzido (em determinada quantidade) de propósito durante o processo de fervura da cerveja, porém essa não é a única maneira que esse componente pode ser produzido. O espectro de luz ultra-violeta tem a capacidade de quebrar certas moléculas do lúpulo, liberando mais isohumulones e fazendo com que estes se liguem à moléculas de enxofre, gerando o Skunky.

Garrafas de cor verde ou transparente não oferecem nenhuma proteção contra luz ultra-violeta, e portanto fazem com que a cerveja sofra mais com essa “contaminação por luz”, também conhecida como “lightstruck”. Garrafas de cor âmbar (a garrafa marrom tradicional) filtram muito mais o espectro UV, e, portanto, protegem a cerveja da criação excessiva de Isohumulones. Melhor ainda são cervejas totalmente protegidas da luz, como em garrafas de porcelana, vidro não-transparente ou até mesmo em latas.

Resumindo, exposição à luz é ruim para a sua cerveja, e se não confia no que estou dizendo, faça um teste simples. Pegue duas long-necks de uma boa pilsen, em garrafa âmbar. Uma, você coloca em um copo transparente e deixa no sol por uns 15 minutos. A outra, você mantém em um local protegido da luz. Depois, sirva a que ficou protegida, e sinta o aroma das duas amostras. Toda a diferença, hein?

OK, aí você vai dizer “ah, mas eu tomo Miller e não tem gosto de zorrilho”. Sim, porque a Miller usa um tipo de lúpulo especial, que não gera isohumulones, exatamente para poder usar a garrafa clara escolhida por eles.  E no final, a maioria das grandes cervejarias escolhe a cor da garrafa simplesmente baseado no que “parece melhor com o rótulo e a campanha de marketing planejada”.

E por que outras cervejarias, como a Heineken, não usam o mesmo lúpulo da Miller ou trocam a cor da garrafa? Simplesmente porque agora todo mundo já se acostumou com o gosto de zorrilho nas cervejas deles, e esse é o sabor esperado por quem toma uma Heineken. Afinal, “alemão macho” gosta de xixi de gambá mesmo (brincadeirinha, mas não resisti, hehehe).

Mas sejamos justos, eu já tomei boas cervejas em garrafa verde, mas aí existe também um segredinho: apesar da garrafa verde, as cervejas em questão foram mantidas desde o envase em ambiente escuro e refrigerado, expostas muito pouco à luz ambiente, e contavam com receitas menos sensíveis ao lightstruck (como uma boa Barleywine, por exemplo).

Então no final é tudo uma questão de gosto? É, pode até se dizer que sim, afinal cada um tem o seu paladar, seu olfato, e suas preferências, mas apenas lembre do seguinte: a natureza deu ao gambá esse odor em sua urina como uma defesa contra predadores, então isso não deve ser bom para você, ou pelo menos, para suas papilas gustativas.

Então, está explicada a ciência por trás das cores das garrafas de cerveja, e sua relação com o sabor e aroma da mesma. Agora, convido vocês a irem ao supermercado, escolher algumas cervejas com cores variadas de garrafa, e fazerem uma degustação vocês mesmos, para decidir afinal o que vocês preferem.

Afinal, quando se fala de cerveja, não tem “errado”, apenas o que você prefere. A melhor cerveja vai ser sempre aquela que você mais gosta, e não deixe ninguém dizer o contrário.

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13 respostas »

  1. Sempre disse que a Heineken é um pouco mais ácida do que as demais. Não é do meu gosto. Prefiro cervejas mais encorpadas, como a nacional Serramalte e a uruguaia Norteña.

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    • Felipe, se gosta de cervejas encorpadas, recomendo experimentar alguns exemplares europeus bem em conta para o bolso do brasileiro. Guinness e a Murphy’s, e também a Wells Bombardier.

      Nas brasileiras, porém não tão fáceis de encontrar, temos três gaúchas excelentes: Anner Maria Degolada, Whitehead Pale Ale e Whitehead Super8, sendo que esta última é em garrafa verde, mas se enquadra exatamente naquela categoria que falei no texto (sempre refrigerada, abrigada da luz e com receita mais resistente ao lightstruck).

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      • Cristiano, já vi que tens bom gosto. Não comentei da Guiness porque pra mim ela é ‘Hours Concours’. Outra que não falei foi a uruguaia Zillertal, que também tem garrafa verde, mas é excelente. Agora, sobre a Whitehead. O mestre cervejeiro criador dela é sogro do meu irmão…hehehe. Ela é muito boa, mesmo.

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      • Bah, mas que coincidência! Conheço bem a estrutura deles lá, volta e meia dou uma passada lá para comprar algumas caixas, hehehe… Realmente uma das melhores cervejarias artesanais do estado…

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    • Uma marca bastante injustiçada é a Dado Bier. Se gostas da Serramalte, provavelmente vais gostar da Dado Lager, e se queres encorpado MESMO, com mais força e complexidade, prova a Red Ale e a Belgian Ale, também da Dado Bier, fáceis de achar no Zaffari/Bourbon.

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  2. Em tempo, não estou dizendo que esteja incorreta a teoria de que garrafas claras protegem mal e afetam o sabor das cevas. Isso é ciência. O que estou dizendo é que a Heineken não se daria este luxo por vaidade, seria uma escolha exageradamente extravagante, na minha opinião.

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  3. Sou um homem cético por natureza, e assim, pessoalmente acho um pouco difícil que o verde nas garrafas de uma marca grande como a Heineken afete mesmo o seu sabor por puro descuido do fabricante ou pra parecer mais bonitinha na gôndola…

    Dito isto, o cheiro e sabor nojento da Heineken é do mais puro zorrilho mesmo.

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    • Rafa, o que acontece normalmente é que a cervejaria já fazia a cerveja nesta cor de garrafa antes mesmo de a ciência ter evoluído a ponto de entender como ocorria essa interação entre a cor da garrafa e a cerveja. Aí, quando finalmente se entendeu esse fenômeno, a cerveja já estava famosa, tanto pela cor da garrafa, quanto pelo sabor. Como eu disse, quem compra Heineken já compra esperando sentir AQUELE sabor. Se está fazendo sucesso desse jeito, não tem porque mexer, hehehe. Já para as cervejas mais novas, aí realmente é uma questão de escolha de marketing ou, em casos mais raros, de escolha do próprio mestre cervejeiro, que idealizou aquela receita para ter um “skunkyzinho”.

      Um exemplo é a Wells Waggle Dance, uma Golden Ale com mel, cuja garrafa é branca, e a cervejaria optou por essa garrafa principalmente para deixar transparecer a cor da cerveja (de um dourado escuro) e reforçar a idéia de que a cerveja leva mel. A cerveja fica com um zorrilho bem de leve, mas que acaba disfarçado quase em sua totalidade pela presença do mel.

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      • Ah, aí pode ser.

        Por sinal, muitos adoram Heineken por aqui, mas teimam que ela não mudou sua fórmula depois de começar a vender em grande escala por aqui. Eu tenho certeza que mudou… o sabor e o cheiro ainda é de zorrilho, mas bem mais suave do que quando começou a explosão da Heineken (pelo menos aqui em Porto Alegre). Sobre isso eu gostaria de uma posição (ou confissão) oficial…

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      • Ah, isso todos gostaríamos, hehehe… Mas não me admira se a Heineken tiver alterado a fórmula para o mercado brasileiro. O bebedor brasileiro está acostumado demais com a “american standard lager” (cervejas comerciais comuns no país), que são cervejas mais suaves e que “descem redondo” (alto drinkability), então seria natural dar uma “suavizada” na Heineken para atender esse costume, mas não suavizar totalmente para não perder a identidade…

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